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Revolução Espírita propõe a autonomia como base do livre pensar

Paulo Henrique de Figueiredo é autor do livro "Revolução Espírita, a Teoria esquecida de Allan Kardec", recém-lançado pela Editora Maat (637 págs). A obra é fruto de vinte anos de intensos estudos por parte do escritor e jornalista sobre o que teria entusiasmado o codificador do espiritismo a reconhecer na teoria espírita o potencial de transformar o mundo.
Revolução Espírita propõe a autonomia como base do livre pensar

Entrevista com o escritor Paulo Henrique Figueiredo

Baseada em fontes primárias, jornais e diversos documentos, são relatados o movimento dos magnetizadores, a infância do codificador, como se qualifica a revolução espírita, a ideia de liberdade e da moral autônoma que o espiritismo propõe. O autor é quem diz: A revolução do século 21 é do despertar da consciência, pois cada indivíduo que se transformar em autônomo, é uma pessoa que compreendeu que ser solidário e cooperar é muito mais produtivo do que competir". A jornalista Cristina Braga conversou com o escritor. Confira abaixo a entrevista.

Paulo, você é autor de Mesmer - A Ciência Negada e os Textos Escondidos (Ed. Lachâtre). Os dois livros estão interligados?

Paulo: Sim, a pesquisa que eu fiz sobre magnetismo foi para entender Kardec. Já venho de família espírita e, desde os 17 anos, venho fazendo pesquisas sobre a revista espírita. Kardec diz que magnetismo animal e espiritismo são ciências gêmeas, não é possível compreender uma sem a outra e quem as separasse cairia num impasse. Eu perguntava até para pesquisadores e ninguém sabia dizer o que era magnetismo animal. A partir de então, comecei a me dedicar sobre Franz Anton Mesmer (1734-1815) em busca de material. A intenção era entender o que era magnetismo para saber porque Kardec considerava ciência irmã e qual a relação entre as duas.

Poucos livros que versam sobre o assunto, falam mal de Mesmer, acusam-no de charlatanismo, ciência falsa.

Paulo: Kardec não se atreveria a dizer que era uma ciência irmã se não fosse correta. Consegui os livros de Mesmer em francês e, até em alemão, dos magnetizadores que vieram depois dele. De posse de tudo, percebi que tinha um material muito rico, que foi publicado antes mesmo da conclusão da pesquisa.

Por que os espíritas não entendem bem o magnetismo?

Paulo: Porque é um assunto complexo. O magnetismo teve duração maior do que o Espiritismo, desenvolvido entre 1857 a 1869. Ele começa com Mesmer antes da revolução (Francesa) que estava vivo na época de Kardec e ainda se desdobrou na pesquisa da hipnose. Eu fui estudar a história do magnetismo e como o fenômeno espírita surgiu nesse meio. As mesas girantes e "tudo aquilo" que girava foi sendo interpretado como um novo fenômeno do magnetismo animal. Kardec tomou conhecimento do magnetismo em 1855, apesar de já conhecê-lo.

Por conta do livro sobre Mesmer, continuou naturalmente as pesquisas que desembocaram na Revolução Espírita?

Paulo: Sim, na verdade, Kardec disse que a mudança das ideias provoca uma revolução no mundo e é isso que o espiritismo prepara. Ele tinha noção disso. O que representou essa mudança? Qual era a cultura da época? Allan Kardec não fez sozinho o diálogo com os espíritos, foi em conjunto com centenas de grupos de pesquisa, em sua maioria de magnetizadores. A universidade materialista queria estudar o ser humano, mas a origem da palavra psicologia remete à alma. Ou seja, estudo da alma, mas se a alma, para eles, não existe, então o que nos diferencia dos animais são apenas as ideias que desenvolvemos. Em 1830, na França, surgiu o que Kardec chamou de reação espiritualista, desejo de retomar o espiritualismo não mais dogmático e nem o materialismo da universidade, o jeito foi estudar por meio da razão o espiritualismo, que eu relato no livro. Eles chegaram ao ponto de dar formação ao povo francês com o espiritualismo racional. Já o positivismo de Auguste Comte era o oposto disso. Portanto é um resgate do que significou esse público de magnetizadores formado pelo espiritualismo racional que vinha com ideia de atrelar pesquisa universitária e científica à compreensão de nós mesmos. Quando surgiu o Livro dos Espíritos em 1857, o público já estudava o magnetismo há muitas décadas e conhecia lucidez sonambúlica e impactos com os fenômenos espíritas. Logo o Espiritismo tinha que dar respostas às dúvidas que esse grupo alcançou.

A primeira edição do Livro dos Espíritos que continha 500 perguntas era, em verdade, feita pelos magnetizadores e espiritualistas racionais e das mais diversas áreas do conhecimento?

Paulo: Cadernos com pesquisas de vários grupos de magnetizadores permitiram a Kardec em dois anos formular as perguntas para o Livro dos Espíritos. Isso estava completamente desconhecido dos espíritas, então, o mergulho na França, o que foi apresentado na Codificação, na cultura da época e o que os espíritos trouxeram de novo. Essa foi a conclusão do meu trabalho.

Qual foi a novidade da teoria espírita?

Paulo: Até os materialistas, a universidade era dominada pela igreja, ou seja, a orientação da moral que se deu até a revolução foi a da Igreja Católica que pressupõe a submissão na Lei de Deus (que não está presente no homem) e que ele se submete pelo castigo e pela recompensa, dependendo da forma que agir. Está presente em todas as religiões tradicionais. Em uma religião oriental, os erros cometidos numa vida serão 'pagos' em outras vidas e, enquanto não se libertar desses erros, continua reencarnando. Já os gregos diziam que a alma era instruída pelos deuses junto às estrelas que caminhavam junto com bigas em cavalos alados e, quando os planetas chegavam ao mais alto da abóboda, eles "viam o que tinham depois das estrelas", - a planície da verdade - tal era a concepção do universo, sendo a reencarnação um castigo de uma ambição. Todas as tradições do passado eram heterônomas (submissas), ou seja, há de se obedecer uma lei que é externa ao indivíduo. Quando chegaram os materialistas, abandonaram a metafísica, mas mantiveram a heteronômia - lei que a sociedade determina. E quando estudamos a moral, observamos que há a moral heterônoma (obediência uma lei externa, agindo por recompensa ou castigo) e a autônoma - obediência a uma lei que está na sua consciência, cujos defensores foram Rousseau e Kant.

A Lei de causa e efeito então está baseada na moral heterônoma?

Paulo: Sim, porque está baseada no carma. A teoria esquecida de Kardec é que o Espiritismo veio fundamentar, uma metafísica que propõe a moral autônoma. O mundo espiritual não tem nenhuma lei que vai causar castigos ou recompensas. Ele é fundamentado na liberdade. Tudo que será vivenciado no futuro das pessoas será enfrentado como desafio para o seu desenvolvimento e será sua escolha. Nenhum lugar falou o que o espiritismo veio propor; era novidade na época, e hoje está um pouco esquecida, que é a "Lei da Escolha das Provas", e não "Lei de Causa e Efeito". Causa e Efeito é uma lei descoberta por Newton, movimento de ação e reação automática e externa, do mundo físico. Já o mundo espiritual funciona na escolha livre das provas. O espírito escolhe o que ele vai enfrentar no futuro, como meio de seu desenvolvimento.

A liberdade é uma conquista do espírito?

Paulo: Cedo ou tarde, nós vamos desenvolvendo liberdade para fazer as escolhas. A alma vem do desenvolvimento natural, não da queda ou do erro. E junto com a liberdade, vem a responsabilidade moral. O que descobri é que o Espiritismo tinha sido antecipado por Jean-Jacques Rousseau (1712/1778) e Imanuel Kant (1724/1804). Novidade para nós agora, mas não era no tempo de Kardec.

Você cita eminentes personalidades como Gonçalves de Magalhães, Manuel de Araújo Porto-Alegre e Torres Homem que foram à França trazer novidades sobre o magnetismo para o Brasil. Você reproduz as cartas de Porto-Alegre?

Paulo: Sim, Gonçalves de Magalhães foi um magnetizador e trouxe o magnetismo animal para o Brasil liderando a escola do espiritualismo racional e escreveu um livro intitulado "Fatos dos Espírito Humano", de 1858, o qual termina falando de reencarnação. Porto-Alegre vai conhecer o espiritismo no Brasil nesta mesma época, trocando correspondência com Kardec. A esses três amigos, juntou-se o poeta Gonçalves Dias (1823/1864). O livro explica em detalhes a ciência filosófica, termo próprio da época adotado pelo Kardec, sobre como estudar a filosofia de uma forma científica.

Faltam pesquisadores dentro da doutrina?

Paulo: O que falta é o foco de pesquisa. Não se pode olhar o passado achando que já acha que sabe ou se acredita. Para fazer história, é preciso recorrer ao passado para entender o que ocorreu, mesmo que fira suas convicções. Tem que ler os manuais de filosofia da época. Fluido magnético, elétrico ou vital não são termos do Espiritismo, nem criados por Kardec, nem pelos espíritos e sim da física (da época 1850/60). Tudo era substância. O conceito de energia - estados de vibração - por exemplo, já é moderno. E, estudando a doutrina em detalhes, os espíritos denunciam isso.

A ciência estava então equivocada quando disse que o espírito de homem negro era inferior?

Paulo: Sim. Numa teoria, achavam que era uma raça imperfeita ou degenerativa, mas não havia igualitarismo. Em outra teoria, a raça branca era evolutiva frente à negra. Kardec não disse o que ele achava em relação a isso e sim o que a cultura dele acreditava, mas esse assunto não se concluiu. No entanto, depois Kardec disse na Revista Espírita que, independente do que a ciência pensa, espírito é tudo igual. Os espíritos responderam: "vocês não têm elementos ainda para discutir esses e outros assuntos". Assim como a evolução da alma do animal.

Isso se fundamenta na autonomia de pensamento?

Paulo: Justamente. Que incrível esse processo produtivo de diálogo! Não posso impor o meu conhecimento sobre o seu. É necessário desenvolver o raciocínio e aprender por si mesmo. O Espiritismo não repete as metafísicas ultrapassadas, propõe nova visão do mundo espiritual, fundamentado na liberdade.

Como você deixou a leitura deste extenso material mais interessante e menos árido para o leitor?

R: Levei dois anos para transformar em um romance histórico que vai contar muitos fatos novos sobre a biografia de Kardec, que se torna um personagem vivo, nos relatos da infância dele (que não foi em Lyon) e sobre a mãe de Kardec que investiu para se tornar educador.

Você fala da importância muito sobre a mãe de Kardec na vida dele.

Paulo: Sim, a mãe dele perdeu outros filhos e, além de outras perdas familiares, acabou ficando sozinha com a avó de Kardec - o centro das atenções. A família investiu para ele poder se tornar um escritor famoso, pedagogo, que ajudou a criar o Liceu, a vida no campo. Toda essa história eu conto em detalhes.

Entrevista realizada por Cristina Braga, jornalista e frequentadora da Sociedade de Estudos Espíritas 3 de Outubro.

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